Crônica – Marisa Raja Gabaglia – Uma sinfonia Inacabada
Marisa Raja Gabaglia – Uma sinfonia inacabada
Tarde nublada e cinzenta desta quinta feira. Confinado em casa, absorto em projetos, textos, ideias e silêncios, sentado frente ao computador vou relembrando passagens da vida e o tanto de amigos queridos que ficaram pelo caminho, perdidos em algum canto da memória ou aqueles que já fizeram a passagem de volta para a grande Casa. Há dias venho lembrando com certa melancolia de uma moça com a qual convivi por um bom período em meados da década de oitenta e cuja tragédia pessoal foi exposta sem piedade e sem pudor em toda rede nacional na época. Marisa Raja Gabaglia, essa linda moça que manteve os olhos de menina até o final da vida, foi uma colega jornalista, muito famosa entre o final dos anos setenta e meados dos anos 80. Discípula de Samuel Wainer, Marisa foi uma celebrada cronista dos jornais Ultima Hora e Diário Popular, jurada do Programa Flávio Cavalcanti, repórter da Tv Globo por 18 anos, com participações importantes no Jornal Hoje, no Tv Mulher e como a única redatora entre uma equipe de homens, do programa Viva Marilia, com Marília Gabriela. Tudo ia muito bem até que Marisa conheceu e se apaixonou loucamente pelo cirurgião plástico Hosmany Ramos, assistente em ascensão do Dr. Ivo Pitanguy. Por ele e por esse amor, Marisa tirou os pés do chão como é praxe da alma dos sonhadores. Ocorre que o até então bem sucedido e sedutor Hosmany estava envolvido em crimes que ela (e o Brasil) desconhecia completamente; Seis meses após iniciado o romance, ele acabou sendo preso e na montanha russa que veio na sequencia, acabou levando de roldão a carreira e a vida de Marisa. Sem negar ou renegar o seu amor, enquanto as grades se fechavam nas costas de Hosmany, todas as portas se fechavam de forma abrupta e agressiva na cara de Marisa. Os detratores aproveitavam para dizer que ela tinha o gênio forte e personalidade dificil, como se alguém neste planeta terra tem ou já teve espírito de cordeiro imaculado. Marisa era passional, sangue quente, intempestiva, mas transbordava afeto e delicadeza quando se sentia acolhida. Apenas em razão do seu amor por Hosmany, perdeu todos os empregos. Esgotaram-se todas as possibilidades. Cortaram- lhe todas as chances. Faltaram-lhe mãos amigas para ampara-la. Na sociedade ancestralmente machista, coube à Marisa, como mulher, pagar sozinha o alto preço do amor por um homem que tinha se revelado aos olhos do país como “bandido”. As pessoas faziam olhos grossos a Hosmany, mas culpavam sem pudores a Marisa por ter se deixado levar por ele aos encantos e infernos do amor. Ela peregrinou por todas as redações de São Paulo, com seus currículos na bolsa e uma infinita vontade de trabalhar. Aceitaria qualquer migalha que lhe oferecessem em troca do seu trabalho que lhe permitisse viver de forma digna. Nos RHs dos veículos de comunicação da época, repletos de estagiários e gente burocrática, ninguém sabia quem era Marisa, nem qual era sua história. Não se interessavam por ela. Seu currículo era amontoado às pilhas que se acumulavam em qualquer canto; E aqueles que a conheciam dos seus tempos de glória, faziam questão de ignora-la. Eu a conheci quando ela procurava emprego na redação de uma revista técnica, que nada tinha a ver com o seu mundo, com aquilo que sabia fazer; Tomamos um café, conversamos longamente e ela me confidenciou como se fossemos velhos amigos, toda a sua frustração e agonia na luta em busca de um sustento decente. Sentia-se humilhada, desprezada, ferida, abandonada e mesmo assim, não se deixava esmorecer. Trocamos telefones e a partir de então, conversávamos semanalmente. Sentia-se acolhida e confortada com minha amizade.
Um dia me disse que Hosmany Ramos foi o único homem que descobriu o seu segredo; Todos os outros a viam como forte, invencível, inquebrantável. Ele havia descoberto que ela era apenas uma moça frágil querendo desesperadamente ser aceita e ser amada em toda a sua fragilidade, e mesmo no seu modo torto de ser, ele tinha conseguido desvendar os mistérios e os segredos de sua alma. Essa era a razão mais forte de sua cega paixão. Hosmany permaneceu preso por 36 anos. Marisa ficou presa para sempre, enjaulada dentro de sua canção de amor e ao morrer de leucemia aos 61 anos em 2003 certamente não tinha apagado todas as cicatrizes que esse amor havia impregnado em sua alma. Para mim, Marisa Raja Gabaglia e sua dolorida história afetiva, até hoje é uma sinfonia de amor inacabada.
Texto: Dema de Francisco,
Editor da Revista Ponto Jovem