CRÔNICA : O AMOR QUE ENLOUQUECE
Hoje me lembrei do poema de Alphonsus de Guimarães, o célebre “Ismália” cujos primeiros versos diz:
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar.
Viu uma lua no céu, Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar.
Conheci e convivi com alguém muito parecido com Ismália.
Era uma menina linda, magrinha, frágil, delicada e sempre sorridente. Eu a vi crescer, tornar-se uma moça sonhadora que depois de algumas paixões juvenis, encontrou o “grande amor” de sua vida; Casou-se com ele. Como a maioria dos casais, foram felizes por um tempo, tiveram um filho e seguiram juntos boa parte do caminho. Em determinado momento, a paixão esgarçou, o amor sucumbiu a um ciúme cego e o barco do casamento foi à deriva. Depois de alguns anos vivendo só, ele encontrou uma nova companheira e refez sua vida amorosa e familiar; Ela seguiu sozinha e criou o filho com um amor desmedido, chegando praticamente às vias do sufocamento emocional do rebento, que graças à presença amorosa e cuidadosa do pai, conseguiu atravessar os anos da adolescência em relativa paz e tornou-se um rapaz calmo e sereno. O ex-marido e a nova esposa, contrariando todos os prognósticos comuns em situações semelhantes, permaneceram próximos e colaborativos em relação à ex-esposa, suprindo-a com todo o conforto necessário para que ela também seguisse sua vida em paz. Mas qual, ela jamais se conformou em “perder” o seu mais precioso bem: o amor da juventude. E cada vez mais foi se enclausurando em seu mundo interior onde todas as dores de amor foram depositadas e alimentadas com lágrimas e angústias… Foi um processo doloroso de descida aos infernos, que acabou por consumir-lhe o prazer de viver.
Aos poucos, foi deixando de se alimentar e entrou num processo de depressão aguda cominado com uma anorexia muito forte que acabou por leva-la ao hospital onde ficou algumas semanas internada; Fui visita-la naquela ocasião. O sorriso, agora triste e envergonhado ainda era o mesmo do passado, sem o mesmo brilho; Conversamos muito e para ela, o assunto mais importante era o seu amor, agora intangível. Sentia-se vencida, pois apesar dos longos anos de separação, ela nunca lhe dera o divórcio, e ele, por respeito a ela e amor ao filho, conhecendo a fragilidade emocional da sua namorada de juventude, jamais levara a situação adiante num processo litigioso, pois sabia que isso iria detonar ainda mais as já minguadas redes emocionais que a mantinham em pé. E assim, ela seguiu os anos amargando no profundo poço da solidão o desespero de um amor incontido, impossível e incontrolável. Essa semana, assim como Ismália, “Celeste” enlouqueceu de vez! Perdeu o juízo completamente e foi levada inconsciente para um hospital psiquiátrico onde provavelmente passará o resto de seus dias.
Em tempos de pandemias, suicídios galopantes, desamores, abandonos e maus tratos, chega a ser confortante saber que alguém enlouqueceu de amor em pleno século XXI e que não causou mal algum a outra pessoa a não ser a si mesmo!
Dema de Francisco é roteirista e dramaturgo, editor da Revista Ponto Jovem.