PANTANAL – Do Sarandi ao Pantanal: a estrada de Gil e Maria Marruá
Do Sarandi ao Pantanal: a estrada de Gil e Maria Marruá
Em entrevista, Juliana Paes e Enrique Diaz comentam sua presença na nova versão de ‘Pantanal’
Sujeito simples e analfabeto, Gil (Enrique Diaz) não deixa que sua falta de cultura e modos influenciem em seu jeito brando de ser. Não à toa desabrocha um tipo correto, honesto e muito decente, tornando-se um ótimo marido, dedicado e atento à sua Maria Marruá (Juliana Paes). É um homem bom que nasceu em um mundo ruim e perverso. Após pelejarem sem sucesso por propriedades em terras que fizeram prosperar, e nessas batalhas terem perdido dois filhos assassinados, Gil e Maria Marruá finalmente têm esperança de uma vida melhor quando compram um pedacinho de terra no Sarandi, no Paraná, ao lado de seu único filho sobrevivente, Chico (Tulio Starling).
Maria, uma esposa dedicada, dócil e servil, leva uma vida sem luxo e conforto algum. Mesmo com todas as tragédias que lhe acompanham, acredita que pode ser feliz. Essa felicidade prometida, contudo, se esvai quando Gil descobre que foi enganado. Sem saber, comprou terras que já tinham dono e ao se ver ameaçado de despejo – ele, o filho e a esposa – de uma propriedade pela qual pagou com muito suor, vê crescer em seu peito uma revolta incontrolável. Instigado pelo filho e ao lado dele, Gil resolver ir à luta, literalmente.
Assim como a vida que levam, a luta é injusta. Gil presencia o assassinato de mais um filho, o que o leva a cometer ele mesmo um crime, em busca de uma justiça que dificilmente encontrará. Maria enterra com Chico o pedacinho de alegria que lhe resta. Ela e o marido fogem para o Pantanal a fim de reconstruir suas vidas, mas neste momento Maria já é um retalho de gente: sem vida, sem alma, sem esperança.
Ao engravidar de Juma (Alanis Guillen), recebe a filha com ar de maldição, em um parto na beira do rio com o intuito de colocá-la no bojo da canoa e empurrá-la para as águas. Não por falta de amor, mas porque não pode suportar a ideia de perder outro filho. O destino, contudo, as quer juntas. E a natureza encontra uma maneira de fazer isso acontecer.
Entrevista com Juliana Paes
Como foi receber o convite para interpretar Maria Marruá?
O convite veio de um jeito super inesperado: a gente estava, ainda, vivendo os efeitos de pandemia, em casa, e eu recebi uma mensagem do Rogério (Gomes, diretor artístico), nosso Papinha amado, querido. “Ju, queria falar com você sobre Pantanal”, e eu fiquei pensando: “O que será?”. Eu não fazia ideia. Sabia que já estavam produzindo, que já tinham algumas pessoas escaladas. “Você pode me ligar?”, ele me perguntou. Eu liguei e ele falou: “Sei que você veio de uma batida e tal, mas acho que já deu tempo de descansar. Eu queria muito que você fizesse a Maria Marruá”. Acho que eu não o esperei falar por mais 10 segundos. Eu disse sim. Ele falou: “É uma participação, porque a Maria morre no início da segunda fase”. Mas é uma personagem maravilhosa e eu sabia que tinha sido vivida pela Cássia (Kis), porque eu tenho algumas lembranças da primeira versão. Eu sou tão fã da Cássia! Já tive a oportunidade de falar isso para ela. Por isso, falei: “Óbvio que eu vou aceitar esse desafio”, porque quando é uma personagem que já foi vivida por alguém e por alguém de quem você é tão fã, tão apaixonado, vira um desafio em dobro. Eu me senti muito lisonjeada, desafiada e com muita vontade de fazer essa Maria Marruá.
Você lembra da novela na época? O que acha que será diferente na nova versão?
Em 1990, eu tinha 11 anos, então, tenho as minhas memórias de criança, de perceber que, naquele momento [de exibição da novela], a casa dava uma parada; todo mundo parava para assistir. Acho que, talvez, movidos não só pela trama, mas pelo torpor que causava aquela linguagem diferente de assistir novela. Era um momento de contemplação. Se escutava menos gente falando e você escutava uma música tocando um tempão. Você via imagens mais extensas, o pássaro Tuiuiú, o jacaré, a arara. Causava nas pessoas uma sensação diferente. Um momento de parar um pouco, suspender um pouco a fala e aguçar mais o olhar e o sentimento. Creio que esse tenha sido o grande diferencial de ‘Pantanal’: a sensação que provocava nas pessoas. Por um lado, se a gente tem um desafio em momentos em que existe tanta quantidade de informação, de aquietar um pouco a nossa mente pra contemplar um pouco mais — esse é o desafio que a gente tem como produto, como novela — , por outro lado, a gente tem mais tecnologia, tem mais definição, processos mais definidos para mostrar essas imagens.
Como foram as gravações no Pantanal?
Quando a gente chega, tem um percurso longo pela frente. E enquanto você vai se embrenhando por dentro das fazendas e tal, vai aumentando a expectativa. “Ai, o que eu vou ver?!”. E aí, quando você chega, todas as expectativas são superadas, porque eu vi bichos que eu nunca tinha visto na minha vida, ouvi sons que eu não tinha escutado ainda. Fora que tem uma energia diferente — isso é o que não dá pra explicar, isso é o que não dá pra você contar. Tem que estar lá, porque o ar é diferente, o tempo é diferente, onde a vista alcança é diferente. Então, tudo isso traz para dentro da gente uma sensação diferente também, que as fotos não conseguem transmitir. Acho que, talvez, a gente com as imagens da novela consiga chegar o mais perto disso. Mas ter estado no Pantanal foi muito bom, especial demais.
Entrevista com Enrique Diaz
Como foi receber o convite para interpretar Gil?
Fiquei super feliz com esse convite para fazer a novela, pela importância que ela pode ter hoje, principalmente em relação às questões ambientais, mas também em relação às questões sociais, pensando no Gil e no que ele representa, um trabalhador da terra no Brasil sendo expulso. Para mim teve também a emoção especial de ter feito a novela quando eu era muito novo, numa participação, mas acabei tendo uma relação com ela. Eu assistia à novela, gostava muito daquele tempo da trama que mudou bastante de lá para cá. E fiquei muito feliz de estar com esse elenco, essa direção, essa equipe nesse momento. Acho que a novela vai ser incrível. Tenho uma lembrança muito forte de Zé Dumont e Cassia Kis fazendo o Gil e a Maria Marruá, é muito emocionante realmente para mim.
Você esteve no elenco da novela na época. O que acha que será mais diferente para o público na nova versão?
Eu acho que essa novela tem uma presença muito forte no imaginário da população no Brasil. É uma novela com uma personalidade muito específica, existe o fato de ter sido uma grande surpresa na época, um grande sucesso, com um estilo muito particular, que ficou na memória da gente. Eu tenho a impressão de que a versão atual vai trazer todo um conhecimento da poética do Pantanal, da imagem do Pantanal, em cima do que a primeira versão trouxe. Agora, com uma tecnologia diferente, a gente tem dramáticas audiovisuais muito elaboradas, disponíveis, além de uma equipe muito talentosa. Todas as imagens que já vi são super impressionantes e eu acho que tem a questão do meio ambiente, hoje, que é tão essencial, tão importante, que a novela junto com o aspecto do folhetim vai trazer a presença dessa discussão. Acredito que a novela terá uma importância grande nesse sentido.
Como foram as gravações no Pantanal?
É maravilhoso poder com o trabalho de atuação, que requer uma observação, uma imersão, estar em um local como esse, que é tão particular. Que não é só bonito, é diferente, é estranho, feito de uma fauna e flora muito resilientes, pois é um local que passa parte do tempo muito seco, depois muito inundado. Então, são plantas, espécies, animais que precisam se acostumar com essa dificuldade, esse desafio. Quando estamos lá tentamos perceber também quem é esse ser humano que consegue viver lá, que sobrevive àquilo e tenta fazer dali a sua casa. O senso de comunidade da equipe fica muito forte, porque estamos lá querendo contar aquela história, querendo levar aquilo a sério e tem uma união muito grande. Eu fiquei muito tocado pelo lugar e pelas pessoas do lugar, especialmente os peões, as pessoas que trabalham no lugar. E senti também a equipe muito ligada, muito atenta tentando não sujar nada, deixar tudo o mais silencioso possível. Eu queria até voltar lá na fase mais alagada, embora não esteja na segunda fase da trama, porque aquilo ali é um berço de diversidade. É muito maravilhoso. Queria reiterar essa questão da parceria do elenco, realmente tive a sorte de ter colegas sensacionais. Posso falar mais das pessoas com quem convivi. E uma parceria muito legal, muito carinhosa, em cena com a Juliana, que foi uma parceira generosa, sensível no trabalho. Fico feliz de saber que esses dois personagens fundam uma linhagem que vai atravessar a novela e que é uma migração para uma vida melhor. Todo o meu amor por esse elenco.
Quem é Gil?
Eu acho que o Gil representa o Davi contra o Golias, ele é a parte fraca da corda, que tem que ser defendida. Mas é a parte honesta. Não que as outras partes não possam ser honestas, mas ele tem essa crença praticamente religiosa e familiar muito grande na honestidade. Tem uma hora que ele fala que seu problema é ser bom num mundo que não ajuda, que não deixa você ser bom. Ele é um trabalhador do campo, que é enganado, perde suas terras, perde seus filhos, perde tudo e continua tendo fé em Deus, na vida. Ele passa muita dificuldade nesse sentido porque fraqueja, não consegue ter a força necessária. Mas ele é também o casal, a parceria com a Maria Marruá, e o périplo deles para ter uma vida melhor e transformar o mundo num lugar melhor. Ele é esse trabalhado ludibriado, enganado, extorquido, que hoje em dia ainda precisamos cada vez mais olhar para a questão da desigualdade social e para a questão da terra, que é um dos maiores eixos de injustiça no Brasil. Ele representa um pouco essa figura da agricultura familiar, que precisa ser estimulada e apoiada. É um personagem muito bonito, inclusive em sua relação com a Maria, tem um “orgulho macho” antigo, mas uma sensibilidade clara que mostra que não é herdeiro de um machismo estrutural. É um personagem muito sensível.
‘Pantanal’ é escrita por Bruno Luperi, baseada na novela original escrita por Benedito Ruy Barbosa. A direção artística é de Rogério Gomes, direção de Walter Carvalho, Davi Alves, Beta Richard e Noa Bressane. A produção é de Luciana Monteiro e Andrea Kelly, e a direção de gênero é de José Luiz Villamarim.