Peça que retrata situação de refugiados africanos estreia no Sesc Belenzinho
Peça infantil que retrata situação de refugiados africanos estreia no Sesc Belenzinho
Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus, do coletivo O Bonde, conta a história do garoto marfinense Abou, encontrado em 2015 em uma mala de viagem cruzando ilegalmente a fronteira do Marrocos com a Espanha
Crédito fotos: Tide Gugliano
Baseada em fatos reais, a peça Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus estreia em 23 de março no Sesc Belenzinho e marca o nascimento do coletivo O Bonde, formado por atores negros criados em bairros periféricos de São Paulo. A curta temporada segue até 14 de abril aos sábados e domingos, às 12h.
Je m’appelle Abou (Eu me chamo Abou) foi a primeira frase dita por um menino marfinense ao ser encontrado escondido dentro de uma mala pelo raio-x da imigração espanhola na cidade de Ceuta, fronteira com Marrocos. Envolto entre as roupas, a cena foi mais um caso a realçar a situação de refugiados no mundo.
De forma lúdica e poética, o coletivo O Bonde retrata a situação de abandono e ausência de condições básicas de sobrevivência a que muitas crianças são submetidas, sobretudo as negras, no processo de imigração em massa de africanos para o continente europeu. Este é o ponto de partida para a construção do espetáculo baseado no texto homônimo da dramaturga, cronista e roteirista negra Maria Shu.
Para o diretor Ícaro Rodrigues o que mais chama a atenção é a forma como o garoto enfrenta suas dificuldades. “O Abou é um grande guerreiro que lida com a pobreza, com a fome e com a condição de refugiado, mas encontra forças para ressignificar a realidade em que está inserido.”
A partir de uma pesquisa afrocentrada e inspirados nos contadores de histórias africanos, os griots, o elenco conta a trajetória de Abou e sua família. Os atores não fingem ser a criança, são narradores do processo migratório e da forma como a vida dele dialoga com as realidades de tantas crianças das periferias brasileiras.
Trata-se de uma maneira de dialogar com as crianças negras daqui e com as que aqui chegam. “Para nós, negros, é como um resgate no processo artístico entender quais os momentos que nos vimos, quando crianças, dando outros sentidos para suportar alguma situação no país racista em que vivemos”, reflete a atriz Marina Esteves ao relacionar o espetáculo com suas infâncias.
“O Abou é nosso pequeno herói negro que vê o mundo de forma lúdica e criativa para minimizar um pouco as violências físicas e psicológicas que sofre. Ele transforma tudo em magia, imaginação, brincadeira e afeto para poder contar um pouco desse processo tão cruel nesse tempo em que vivemos de agressões à comunidade negra”, relata o ator Filipe Ramos.
Para o grupo, de um modo geral, no teatro infantil faltam referenciais de crianças negras quando se trata de representação e de influências. “Nós temos poucos personagens de desenhos animados e de videogames que são negros e não estão associados a uma imagem criminosa. É um processo maior do que o próprio teatro infantil, isso nos motivou a montar esse texto para conversarmos com as crianças negras e trazermos a imagem e os costumes do povo preto”, aponta Rodrigues.
A peça retrata um fato e destaca uma realidade que não para de crescer. Segundo estatísticas da ONU, em 2015 o número de refugiados no mundo ultrapassou os 60 milhões.
“A dor e a violência estão ali, mas há outro modo de denunciar quando colocamos outros artifícios. O espetáculo está neste lugar, onde precisamos contar algo pesado de outro modo para crianças. O desafio está em fabular esse fato a partir da leveza e da poesia” destaca o ator Jhonny Salaberg.
A cenografia, assinada por Eliseu Weide, traz uma parede de malas que “inicialmente revela a savana, o espaço onde Abou morava, a África. Com o passar do tempo elas vão se fechando e vem a viagem. Tudo sai de dentro delas simbolizando a memória de Abou, ao mesmo tempo em que essas malas representam o alto número de refugiados”.
A direção musical de Cristiano Gouveia traz referências sonoras, rítmicas e melódicas das cantigas tradicionais africanas. “Algumas são em línguas africanas como o yorubá, pois é importante trazer essa referência da palavra falada africana”, exalta Gouveia. “Dentro das composições originais que criei para peça, também traduzi letras para línguas africanas para ampliar o repertório. A música também funciona como um elemento narrativo do espetáculo, uma dramaturgia musical”, completa. A violonista Ana Paula Marcelino e o percussionista Anderson Sales tocam ao vivo.
Apesar de tratar de um tema forte, o coletivo O Bonde entendeu que o primeiro passo do grupo seria conversar com as crianças negras. “São tantas as narrativas em torno da negritude que entendemos que seria importante falar primeiro com as crianças. Esse primeiro olhar busca que elas se sintam representadas, retratas e com possibilidade de fala, de diálogo e de escuta”, revela Filipe Ramos.
O Bonde
O Bonde é um coletivo de teatro formado por artistas negros, oriundos da Escola Livre de Teatro de Santo André. Tem como pesquisa de linguagem o teatro negro e sua diásporas contemporâneas que reverberam materialidades invisibilizadas, não vistas no fazer teatral.
Formado por atores e bailarinos que investigam o corpo negro periférico e trabalham a construção de um imaginário antirracista a partir de diversas formas de representatividade. Em 2018 foi contemplado pela 8° edição do Prêmio Zé Renato com a montagem do espetáculo infantil Quando eu morrer, vou contar tudo a Deus.
O coletivo formado por Ailton Barros, Filipe Ramos, Jhonny Salaberg e Marina Esteves enegrece a cena teatral paulistana e brasileira e busca de dar voz às narrativas apagadas pela história.
Sinopse
Baseado numa história real, o espetáculo conta as aventuras de Abou, um menino africano que foi encontrado dentro de uma mala, tentando entrar no continente europeu. Ao som de tambores e violão, quatro atores-narradores contam a história deste refugiado que, junto com sua mala Ilê – companheira, abrigo e animal de estimação – enfrentou dificuldades com criatividade, imaginação e coragem.
Ficha técnica
Texto | Maria Shu
Direção | Ícaro Rodrigues
Elenco | Ailton Barros, Filipe Ramos, Jhonny Salaberg e Marina Esteves
Instrumentistas | Ana Paula Marcelino e Anderson Sales
Direção musical e Trilha sonora | Cristiano Gouveia
Preparação vocal | Renata Éssis
Preparação corporal | Mariane Oliveira
Cenografia e Figurino | Eliseu Weide
Assistência de cenografia e figurino | Carolina Emídio e Iasmin Ianovale
Criação e operação de luz | Kenny Rogers
Foto e vídeo | Tide Gugliano
Produção geral | O Bonde
Produção executiva | Paloma Rocha
Assessoria de imprensa | Elcio Silva
Realização da produção | Secretaria de Cultura, Prêmio Zé Renato, Cooperativa Paulista de Teatro e O Bonde
Realização da temporada | Sesc São Paulo
SERVIÇO
QUANDO EU MORRER, VOU CONTAR TUDO A DEUS
De 23 de março a 14 de abril de 2019. Sábados e domingo, às 12h.
Local: Teatro (364 lugares).
Ingressos: R$ 20,00 (inteira); 10,00 (aposentado, pessoa com mais de 60 anos, pessoa com deficiência, estudante e servidor da escola pública com comprovante) e R$ 6,00 (credencial plena do Sesc – trabalhador do comércio de bens, serviços e turismo credenciado no Sesc e dependentes). O ingresso é gratuito para crianças de até 12 anos acompanhadas por responsável. Vendas somente nas bilheterias das unidades do Sesc.
Recomendação etária: Livre.
Duração: 60 minutos.
Sesc Belenzinho
Endereço: Rua Padre Adelino, 1000.
Belenzinho – São Paulo (SP)
Telefone: (11) 2076-9700
www.sescsp.org.br/belenzinho
Estacionamento
De terça a sábado, das 9h às 22h. Domingos e feriados, das 9h às 20h.
Valores: Credenciados plenos do Sesc: R$ 5,50 a primeira hora e R$ 2,00 por hora adicional. Não credenciados no Sesc: R$ 12,00 a primeira hora e R$ 3,00 por hora adicional. Para espetáculos pagos, após as 17h: R$ 7,50 (Credencial Plena do Sesc – trabalhador no comércio de bens, serviços e turismo). R$ 15,00 (não matriculado).
Transporte público
Metrô Belém – 550 m | Estação Tatuapé – 1400 m